Insegurança e falta de infraestrutura nos deslocamentos afeta mais gênero feminino, segundo estudos
Tudo porque homens e mulheres se deslocam de formas distintas pelas cidades e isso traz, para elas, mais dificuldades do que para eles. Até por isso, elas precisam fazer muito mais esforço para ter acesso às mesmas oportunidades de emprego, educação e lazer. As conclusões são tiradas de estudos e pesquisas realizadas ao longo de anos e que podem contribuir para a adoção de políticas públicas de mobilidade que levem em consideração as diferenças entre os gêneros.
A auxiliar de cozinha Andreia da Silva Dias, 41, mora na região de Parada de Taipas, em uma das franjas da periferia da zona norte paulistana, e conhece bem essa realidade.
A rotina dela começa pela manhã, quando caminha cerca de 20 minutos até a casa da mãe, onde deixa o filho. “Às vezes, tenho que andar no meio da rua, porque não dá para passar pela calçada.”
Depois, toma um primeiro ônibus até o Jaraguá, e, na sequência, outro até o local de trabalho, na rodovia Anhanguera. A volta para casa, numa jornada que termina perto da meia-noite, tem momentos de tensão. “Vou para o ponto morrendo de medo. Às vezes, as pessoas que estão ali falam que é perigoso.”
Analista de contas médicas, Simone Macedo, 42, pega dois ônibus e um trem da linha 7-rubi para sair da região do Jaraguá e chegar ao trabalho, na Pompeia, na zona oeste de São Paulo. “Ando com roupa social, mas não dá para pegar o trem de salto. Os homens te empurram. Você tem que ter força, não é aquela coisa [de ser] frágil. Tem que se impor. Hoje, o cara me empurrou, eu também empurrei. Você quer trabalhar, eu também quero”, diz ela.
Como usuária do transporte, a analista de contas nota situações que compõem o dia a dia das mulheres e que, muitas vezes, não são contempladas nas políticas públicas. Um semáforo demorado demais para o segundo ônibus do dia, o fato de mulheres, muitas vezes, voltarem do trabalho carregadas de sacolas, o intervalo excessivo entre os coletivos que as deixam mais vulneráveis nos pontos durante a noite.
“Mulheres que são mães, donas de casa, sentem a diferença. É uma mulher que trabalhou o dia inteiro, levando sacolas e ninguém deu lugar para sentar”, afirma Simone. “[As autoridades] precisavam conversar com pessoas como eu para entender.”
Autora da dissertação “A mobilidade das mulheres em São Paulo: experiência, precauções e autonomia”, na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), da USP, Marina Pereira Santos Gomes da Silva explica que, de forma geral, mulheres se deslocam muito mais a pé e por transporte coletivo do que homens.
“A viagem masculina se concentra em casa-trabalho e casa-estudo. As mulheres fazem muito casa-trabalho, mas também estudo, saúde, compras de mercado e farmácia, acompanhar outras pessoas”, conta. Ou seja, mulheres fazem muito mais viagens do que os homens no dia a dia.
Segundo Marina, as pesquisas origem-destino acabam apagando parte dos trajetos realizados pelas mulheres, o que dificulta a mensuração. Isso acontece porque esses levantamentos criam uma hierarquia que prioriza metrô e transportes coletivos em geral, minimizando os deslocamentos a pé, por exemplo.
Nas pesquisas origem-destino do Metrô, por exemplo, viagens a pé são computadas apenas quando a distância percorrida é superior a 500 metros ou é feita exclusivamente caminhando. Isso geraria subnotificação.
Diante disso, os relatos são fundamentais para traçar os caminhos delas pelo meio urbano. Marina explica que as “beiradas” dos bairros, por onde passam as vias com maior tráfego de veículos, trazem mais insegurança. Daí a opção pelas pequenas ruas. “No bairro, tem um porteiro, uma padaria. Tem muitas precauções que as mulheres tomam.”
A preferência pelas ruas do interior dos bairros traz, porém, inconvenientes, principalmente na periferia, onde as condições das calçadas são piores que na região central.
A especialista afirma que outra questão vista na teoria e que tem impacto prático é o fato de que as mulheres, por causa da vivência ao caminhar pela cidade, muitas vezes acompanhadas por crianças e idosos, têm um olhar mais atento às desigualdades e necessidades da população. “É uma gama muito rica de informações”, diz ela. “Fazer políticas públicas a partir da experiência das mulheres é melhorar para todo mundo.”
A especialista afirma também que, mesmo entre as mulheres, existem diferenças marcantes quando se faz um recorte racial. As dificuldades são ainda maiores para aquelas que são negras.
A insegurança é outro ponto que destaca a necessidade de enfrentamento por parte das mulheres para realizar as mesmas tarefas que os homens. Levantamento divulgado pelo Instituto Patrícia Galvão mostra que 2 em cada 3 mulheres que passaram por situações de violência mudaram seu comportamento e que 53% tiveram algum abalo psicológico.
Diretora de conteúdo do Instituto Patrícia Galvão, Marisa Sanematsu afirma que pesquisas realizadas ao longo do tempo apontam que entre 32% e 35% das mulheres declararam ter sofrido importunação no transporte público. “São números que mostram como a vivência das mulheres é recheada de insegurança, de violências”, diz ela. “É mais do que hora de os homens perceberem que os corpos das mulheres não estão à disposição, tudo exige consentimento e não é não.”
RESPOSTA
Todos os órgãos do Poder Público envolvidos de alguma maneira com a mobilidade afirmaram que tomam medidas para melhorar o dia a dia das mulheres.
A Secretaria de Estado da Segurança Pública, por exemplo, afirma que tem intensificado operações de combate à violência contra a mulher e ações para reduzir a subnotificação desses crimes, com implantação de delegacias, salas em anexo a plantões policiais e aplicativo de atendimento às vítimas.
Cita também a parceria com o Metrô e a CPTM, com o reforço na segurança com policiais militares em horário de folga em trens e estações. Diz também que realiza, entre outros, patrulhamento para reduzir os crimes contra o patrimônio.
A Secretaria de Transportes Metropolitanos aponta todas as obras que têm sido realizadas para melhorar a mobilidade de forma geral, entre as quais a linha 6-laranja, que deverá reduzir o tempo de viagem entre a zona norte e o centro. Também cita diversas campanhas e ações em favor das mulheres, além de pesquisas para identificar suas necessidades.
A Prefeitura de São Paulo afirma que tem realizado uma série de ações para melhorar iluminação pública, calçadas e infraestrutura em geral. A administração municipal também aponta a realização de campanha de combate ao abuso sexual, além de apoio jurídico e psicológico às vítimas. Entre as diversas ações, mulheres, travestis ou mulheres transexuais podem desembarcar fora dos pontos de parada, das 22h às 5h, exceto nos corredores exclusivos de ônibus, viadutos, pontes e túneis da capital paulista.
Fonte: folha.uol.com.br